01 março 2012

Fundação Aragão Pinto-O meu Pai.

Excerto da minha crónica na Revista Eles E Elas-Junho 2009

Estar com as minhas filhas é a melhor coisa do mundo. Não há nada que me preencha mais. Não há nada que me faça mais feliz. Sinto-me completa quando estou com elas, protegida, realizada.

As conversas que tenho com a Mónica e com a Vera são do mais enriquecedoras, comoventes e engraçadas que há.

A visão da vida delas é das coisas mais extraordinárias que se pode ouvir e apreender. A Joana já diz mãe, já tem 4 dentes e já quase que anda.

Estas pequenas , grandes descobertas, é o melhor que a vida tem para nos dar.
Estar com os meus pais era a melhor coisa do mundo. Deles restam-me as recordações, as memórias, as lembranças, as fotografias, os valores, os princípios, a alegria de viver e principalmente... a saudade.

Fazem-me muita falta. Mas cada gesto, cada palavra, cada som, cada segundo, cada minuto que me faça lembrar deles, faz-me sentir bem.

O lançamento da Fundação Aragão Pinto foi um desses momentos e foi por isso que decidi reproduzir nesta crónica o texto que escrevi para a Fundação, as fotografias que partilhei, em homenagem ao meu Pai e que vem concretizar uma das suas grandes missões: Ajudar os jovens talentos do futebol.

A Fundação de Solidariedade Social Aragão Pinto tem como missão o promover a integração social de jovens e crianças carenciadas através da prática desportiva regular.

Esta Fundação foi criada para suprir uma falta que as crianças e jovens desfavorecidos têm, a pratica desportiva continuada e com valor formativo. 
A pratica desportiva é um veiculo de excelência para a integração e formação social. A maioria das instituições existentes lutam com grandes dificuldades diárias em prover abrigo, alimentação, educação e apoio às crianças que ajudam. Assim, a prática desportiva é muitas vezes, por falta de meios, algo ocasional e sem valor formativo.

O grande objectivo da Fundação Aragão Pinto é contribuir dando respostas adequadas através do desporto, às carecias e problemas sociais das crianças e que mais precisam, bem como, apoiar e promover a sua inclusão na Sociedade.

Para mais informações pode visitar o site www.fundacaoaragaopinto.com



Perto disto não podia escrever mais nada.E partilho-o com vocês:

O meu Pai.

O meu Pai é o José Eduardo Roquette de Aragão Pinto. Que orgulho que eu tenho de escrever isto. Nasceu a 11 de Setembro de 1948 na Quinta da Fajarda-Coruche, em casa à luz do petróleo.

Para mim o meu Pai era imortal, invencível. Perfeito.

Vou tentar resumir a vida do meu pai embora cada vez que começasse a escrever este texto isso me parecesse uma tarefa completamente impossível...há tanto para dizer....mas vou tentar.

Lembro-me do meu Pai me contar que passou por vários colégios, liceus, escolas e era expulso de todas...pela pessoa activa que era, por faltar para ir jogar futebol, por fazer rir a aula inteira e por achar que por menos que fizesse as coisas apareciam feitas...também teve a sorte dos meus avós intercederem sempre junto dos directores para lhes dar outra oportunidade, principalmente a minha avó, que “ mimava” o filho querido e não deixava que nada de mal lhe acontecesse, era a luz dos olhos dela.

O desporto era a sua grande paixão,e as suas fugas eram para o Centro Católico onde ia jogar ténis de mesa, modalidade da qual foi campeão vários anos consecutivos. Eu tenho as taças todas...

O Futebol era outra paixão, jogava com os amigos, em torneios, e sempre o melhor marcador...

O Sporting também lhe estava no sangue ,era sobrinho neto de José de Alvalade que fundou o Sporting Clube de Portugal, toda a família ajudou a construir esse sonho e a minha avó sempre me contou que até rifas vendeu para angariarem dinheiro para o estádio.

O meu Avô Henrique foi director do Jornal do Sporting, a família tinha dois camarotes vitalícios no Estádio José de Alvalade, já todos nasciam com o “carimbo”.Mas já lá vou a essa parte.

A família ia todos os anos passar férias em S. Martinho do Porto. Outra paixão.

Com 19 anos o meu pai conheceu a minha mãe, que na altura tinha 13...pediu-lhe em namoro várias vezes e ela nunca aceitou, iam-se encontrando mas a minha mãe não cedia.
O meu pai foi chamado para a Guerra do Ultramar e escreveu sempre à minha mãe. Eu tenho as cartas...Lembro-me do meu pai me contar que viveu situações muito complicadas durante a guerra, coisas pelas quais ninguém deve passar nem ninguém deve viver. Mas secalhar essa experiência transformou-o na pessoa que foi.

Quando chegou pediu a minha mãe em casamento e ela aceitou! E eu nasci!

De seguida nasceu a minha irmã Rita, que com 4 meses foi para o Céu. Tinha 4 anos e lembro-me de ver os meus pais completamente destroçados. Como se a vida tivesse acabado, mas também os vi com a coragem de seguirem em frente de me explicarem da melhor forma o que tinha acontecido à minha irmã Rita e de nunca deixarem de estar ao meu lado ou mostrarem-se tristes à minha frente apesar da desgraça que tinha acontecido e depois nasceu o meu irmão e um bebe traz alegria e esperança de vida a qualquer casa, qualquer família.

Outra das recordações que tenho de pequenina era um anúncio que dava várias vezes na televisão, não me lembro do produto mas era com um caçador que dava um tiro, e lembro-me que sempre que começava a música do anúncio, o meu pai vinha a correr estivesse em que parte estivesse da casa para quando fosse o tiro se atirar para o chão da sala e eu ria horas a fio...

Íamos para S. Martinho todos os anos, fazíamos muitos programas em família, e o meu pai vivia a vida em pleno. O Importante era ser feliz. E preocupava-se sempre com os outros. Tinha a grandiosidade de coração de querer espalhar a felicidade a todos os que amava e que eram especiais para ele. Lembro-me que a minha mãe é que impunha as regras, o meu pai era para brincar! Não nos conseguia dizer que não a nada. As maiores imagens que tenho é de fazer listas do que queria no Natal, e no dia de natal receber uma dessas coisas e não ser aquela que eu mais queria, não dizia nada, mas o meu pai percebia e não resistia, nessa tarde ia buscar-me esse presente, só para me ver sorrir. Feliz.

Pensava sempre num todo e o que ele mais gostava era comprar alguma coisa para todos, como a primeira câmara de filmar, o primeiro vídeo, a primeira aparelhagem, o primeiro telemóvel, etc. Coisas para todos usufruirmos em conjunto. Não havia sitio que fossemos onde o meu pai não levasse a câmara atrás. E é por isso que eu e o meu irmão temos registos únicos de pequeninos.

É engraçado que à medida que estou a escrever estas palavras, estou a ver a quantidade de parecenças que tenho com ele...

Todos os anos em S. Martinho ele ganhava os torneios de ténis, e eu filha orgulhosa via os jogos todos com muita atenção, gritava com a claque concorrente, enervava-me com os adversários dele, enfim....no final de cada torneio havia um baile de entrega de prémios, e o meu pai levava-me sempre ao colo para ir receber a taça, com todos a baterem palmas de pé e abríamos sempre os dois a pista de dança. Sentia-me uma princesa. Estava tão habituada a que o meu pai ganhasse que houve um jogo que ele perdeu, virei as costas e fui-me embora sem dizer nada a ninguém enquanto as lágrimas me escorriam de furiosa com ele, amuei e não consegui olhar para ele durante dois dias!...lembro-me se ser uma daquelas histórias que o meu pai contava várias vezes e me fazia questão de relembrar.

Todos os fins de semana íamos ao CIF vê-lo jogar futebol na sua equipa, o Cosmos, sempre o melhor em campo...

O meu pai era a alegria de qualquer sitio. O Carisma que tinha, fazia que bastasse entrar numa sala para que a “enchesse”.

Fazia-me rir como ninguém e era o meu melhor público. Riamo-nos com disparates que só nós é que achávamos graça e eu sentia-me toda orgulhosa quando os meus amigos estavam com o meu pai e diziam que ele era um espectáculo.

Fui com ele ver os 7-1 contra o Benfica e o meu pai estava eufórico! Levantava-me ao ar em cada golo e a seguir levou-me a jantar só com homens para comemorarem!

Até nos conselhos mais dramáticos era engraçado e houve um que me ficou sempre na cabeça, era quando eu tinha visitas de estudos ele dizia-me sempre:” se acontecer alguma coisa ao autocarro, a primeira coisa que fazes é partires o vidro da tua janela e fugires!”.

Os meus pais tinham uma relação fantástica e isso fazia com que a nossa casa fosse uma alegria.

Lembro-me de ver o meu pai muito triste quando o meu avô foi para o céu, mas passado pouco tempo foi convidado para ser vice presidente do Sporting das modalidades amadoras. Estávamos no carro quando ele nos contou a todos e no fim disse: ”o meu pai deve estar tão orgulhoso e a fazer uma festa lá em cima”.

Foram tempos extraordinários, em que íamos com o Sporting para todo o lado.
Uma vez levou-me a mim e ao meu irmão ao estádio e mostrou-nos todos os recantos. Entrámos como entram os jogadores e andámos a dar uns toques na bola no relvado, que sensação...nunca mais me vou esquecer.

Foi convidado para ir ao programa do David Borges na SIC e foi comentador da TSF no programa do Fernando Correia. Tenho as gravações todas guardadas...

Nenhum dos meus namorados era suficientemente bom para o meu pai, até ser simpático com eles , fazia-lhes a vida negra...passava-os por provações incríveis. Então se fossem do Benfica Nossa Senhora....

O meu irmão decidiu que queria deixar de estudar para ser jogador de futebol. O meu pai apoiou-o a 100%.Ia ver todos os treinos, todos os jogos, tirou várias cópias do jornal onde saiu a primeira noticia de um jogo do meu irmão em que ele fez a diferença, jogou no atlético, no casa pia e no Sporting. Um dia disse que não queria jogar mais...queria voltar a estudar...queria ter uma vida normal como os amigos, queria ter fins de semana, queria sair à noite. O meu Pai ficou dividido e lembro-me de termos tido os dois uma conversa com ele. Estava na idade de provar o que valia no futebol e se desistisse não havia volta a dar...mas ele estava decidido e nós apoiámos a decisão dele, embora tanto a mim como ao meu pai nos dava a sensação que lhe ia passar uma grande carreira ao lado, mas sem motivação não valia a pena.

O painel de Alcântara era o restaurante de eleição. Não dispensava o cozido, a feijoada ou as favas do painel. Jantar ou almoçar? Sempre no Painel de Alcântara.
Em S. Martinho aos Sábados o joelho de porco na Gaivota era imperdível, o bacalhau à Lagareiro na Serra, ou a Sapateira na Caravela.

Depois de uns tempos voltou ao Sporting, e passou por várias funções, director desportivo da equipa principal, director de segurança, director desportivo das camadas jovens e essa foi sem dúvida a que lhe deu mais gozo e mais motivação, lembro-me de ele contar com orgulho dos miúdos que lá chegavam e que o meu pai via o potencial que tinham e que acabavam por se tornar grandes jogadores. Depois veio mais um bebe, o projecto da Academia absorveu-o por completo, contava-nos todas as evoluções e quando nos levou lá a primeira vez e nos mostrou tudo era como se tivesse sido ele a construir a academia pedra por pedra.

Um vez fui convidada para participar num jogo de futebol na academia com outras caras conhecidas, o meu pai dividiu-se entre o perfeito anfitrião, o perfeito treinador e o perfeito pai.

O Sporting foi campeão ao fim de 18 anos e que festa!

A dobradinha em que estava grávida de 7 meses e estive na final da taça, no jogo em que o Benfica nos deu o campeonato e nos sagramos campeões estava em casa a ver e o meu pai ligou-me a dizer vou passar ai, vamos buscar o teu irmão e vamos para a câmara de Lisboa receber a equipa, com um barrigão lá fui eu fora da janela, feliz!!!!!

A abertura do novo estádio, outro “bebe” do meu pai que esteve envolvidíssimo desde o inicio ao fim de toda a organização. Não descansou enquanto a família toda não tivesse os bilhetes e esteve envolvido ao máximo para que fossem atribuídos lugares decentes no novo estádio a quem tivesse camarotes vitalícios no estádio antigo.

Recebi o emblema dos 25 anos de sócia do Sporting e fomos os dois recebe-lo, chamou os fotógrafos, apresentou-me a toda a gente, estava tão orgulhoso...

No meu primeiro Casamento o meu Pai estava feliz. Enquanto me levava ao altar ia contando piadas... Mais uma vez foi a alegria da festa e ofereceu-me o casamento dos meus sonhos. Não me recusou nada. Como sempre.

O nascimento das minhas duas primeiras filhas foram outros dois momentos em que vi o meu pai completamente babado, se sempre foi babado com os filhos, com elas então, tirava-lhes fotografias a torto e a direito, andava sempre com as fotografias delas no telemóvel e mostrava a toda a gente. Escusado será dizer que as fez sócias no dia que nasceram.

Os dias de jogos eram dias de stress para o meu pai, era quase como se organizasse excursões, preocupado que todos tivessem bilhetes, porque para ele era um dia de festa que ninguém podia perder.

Quando a minha mãe foi para o céu vi o meu pai como nunca tinha visto. Mais uma vez os conselhos que me deu nesse dia mesmo estando destroçado como estava ajudaram-me a conseguir-me manter de pé.

Quando Lhe disse que me ia divorciar, o meu pai disse-me: faz aquilo que o teu coração te disser, porque o importante é sermos felizes e se não estamos temos que mudar alguma coisa, agora lembra-te que o mais importante é continuarem amigos. Porque vão puder sempre contar um com o outro enquanto amigos mesmo que já não estejam casados. Segui esse conselho à risca.

O ciclo da vida é engraçado, porque a certa altura sentimos que os nossos pais precisam de nós como nós sempre precisamos deles e assim que eles são a nossa estrutura, a nossa base, numa certa altura nós tornamo-nos a base deles também.

Assim como sempre tive orgulho do meu meu pai, como sempre confiei nele como ninguém, como sempre falei nele como filha babada, comecei a sentir isso ao contrario, sentir que o meu pai se orgulhava de mim, da pessoa que me tinha tornado, da profissional que me tinha tornado, da mãe e da pessoa com a qual ele podia contar para tudo.

Confiava em mim para lhe guardar os documentos importantes, para o ajudar a tratar de assuntos, de o acompanhar para todo o lado. Tudo aquilo que ele antes fazia com a minha mãe.

Fomos ver o Sporting-Porto, cantámos o “Cheira bem cheira a Lisboa”, festejámos o golo aos abraços e gritos e fomos dormir para casa.

No dia seguinte o meu pai foi para o Céu. Fiquei fula com ele! Não me podia ter feito isso! Ele era imortal. Invenvivel. Perfeito! Como é que isso podia acontecer???

Sei que foi ter com a minha mãe, com a minha irmã Rita e com o meu Avô Henrique. E que lá em cima nos acompanha de minuto a minuto. E que continua a orgulhar-se e a tomar conta de nós.

Uns meses depois o Sporting teve a amabilidade de me convidar para apresentar a Gala do Sporting, sei que o meu Pai ia “vibrar” se o fizesse, mas ainda tinha as emoções à flor da pele e senti que não ia conseguir. Mas outra oportunidade se seguiu no ano seguinte, convidaram-me para ser embaixadora das mulheres com garra do Sporting, por causa do dia da mulher. O meu irmão esteve sempre comigo e senti que o meu Pai também esteve sempre lá.

Deve estar orgulhoso de eu me ter casado outra vez, com uma pessoa fantástica, muito parecida com ele por sinal, de ter tido a minha Joaninha que a primeira gracinha que sabe fazer é quando dizemos Sporting ela levanta os braços e que é sócia desde que nasceu. Das brilhantes alunas que são as netas e da alegria que são em todo o lado.
Do meu irmão ter tomado o lugar dele e nunca me ter deixado. De nos termos unido e de estarmos sempre de olho um no outro e de ele ter arranjado uma noiva fantástica com a qual se vai casar este ano.

Deve-se estar feliz com a ideia desta fundação e feliz com todos aqueles que por gostarem dele fazem questão de a apoiar. Ainda por cima no sentido daquilo que ele mais acreditava e mais prazer lhe deu, ver pequenos grandes talentos a terem a oportunidade de se tornarem grandes jogadores.

Obrigada Pai por ter sido quem foi. Por estas recordações. Por me ter ensinado que a vida é para viver intensamente como se cada dia fosse o último, é fazer aquilo que nos dá na cabeça se isso nos fizer feliz.

É não perder tempo com coisas insignificantes e que por mais desilusões e desgostos que a vida nos dê, temos que erguer a cabeça e continuar, aproveitando o que temos de bom. É fazer valer a nossa opinião mesmo que seja diferente dos outros.

É prendermo-nos aos nossos princípios e valores porque são a nossa maior riqueza e é o que fica de nós neste mundo.

Obrigada Pai, por tudo.






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