01 março 2012

Avó Belinha

Excerto da minha crónica na revista Eles e Elas-Outubro 2011

“Aqueles que passam por nós,
Não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si,
Levam um pouco de nós.”
Antoine de Saint-Exupery

Esta minha crónica vai ser em homenagem à minha avó Belinha.

Gostava muito de conversar com ela. Não me escondia nada, era directa e dizia aquilo que tinha para dizer.Com clareza, sem rodeios. Eu também sou assim por isso entendiamo-nos bem. Tinha um humor próprio e riamo-nos muito uma com a outra.

Preocupávamo-nos uma com a outra e sabíamos que por mais que andemos na vida a correr, é sempre uma prioridade dar valor ao que realmente é importante. Gestos, palavras, carinhos, olhares, tudo servia para que soubéssemos que estava tudo bem.

A minha avó era especial, era uma mulher com M grande. Via futebol como um homem, refilava e discutia como um homem. Não se deixava ficar como um homem. E para mim sempre foi um exemplo. Não precisamos de ser homens para nos fazermos ouvir, podemos ser sim grandes mulheres.

A família era tudo para ela. Os filhos eram tudo para ela, os netos e os bisnetos. Dizia que tinha uma família em que eram todos bonitos, pedia desculpa por ser tão vaidosa, mas a verdade tinha que ser dita e ela não se importava com a falta de modéstia, somos bonitos e pronto.

Gostava de analisar-nos desde bebes, e ia-nos contando as nossas características, uns que nasceram feios e ficaram lindos, outros que nasceram logo lindos. Uns que choravam muito, outros que riam muito.

O Filipe que tinha nascido com a cabeça em bico, o Pedro que tinha nascido feio mas que ficou bonito e o Ricardo que era muito bem educado.

Não tinha vergonha de admitir quem eram os filhos preferidos, netos ou bisnetos preferidos, mas fazia sempre a ressalva do que cada um de nós tinha de bom.

Gostava de ser mimada, gostava que nos lembrássemos dela, gostava que falássemos dela aos nosso filhos, gostava que lhe ligássemos e principalmente gostava de conversar, de ouvir e de falar. De contar as histórias da nossa família com a sua maneira característica.

Era uma avó vaidosa, que gostava de se sentir bonita, e que nós sempre nos orgulhávamos. Era um orgulho quando me diziam, a tua avó é linda! Tem os olhos mais bonitos do mundo!

No colégio, tivemos que dividir a nossa avó com todos os outros meninos, que a adoptaram por avó também. Todos a chamavam avó Belinha. Confesso que senti ciúmes algumas vezes de ter que a dividir, mas na maioria do tempo, ficava completamente deliciada ao ver o carinho com que todos a tratavam, o amor que todos tinham por ela. E ainda hoje me perguntam pela avó do colégio.

Adorava quando conseguia ficar ao lado dela no camarote do Sporting. Era sinónimo de emoção acrescida! Iamos comentando o jogo do Sporting e ao mesmo tempo ela ia-me dando novidades dos restantes jogos que ia ouvindo na sua telefonia.

S. Martinho era o local onde todos nos encontrávamos. E eram os tempos sem tempo para estarmos com ela. Sem pressas. Para passearmos pelo paredão, conversarmos na rua dos cafés.
Terra onde todos a conhecem, onde todos a adoram. É engraçado que cada ano em que chego, não há uma única pessoa, novos e velhos que não me pergunte: A tua avó está cá? Gostava de lhe dar um beijinho!

Recordo-me dos torneios de ténis que o meu Pai entrava e lá estava a minha avó na primeira fila. Era como ver um jogo do Sporting, mas em vez de gritar Sporting gritava Zé!!!Pensando bem acho que saí mesmo a ela na forma de ver o futebol e de torcer por quem gosto seja no que fôr. Sofremos à séria! Emocionamo-nos profundamente.
E também eu ficava ao lado dela a torcer pelo meu pai e a mandar bocas aos adversários e suas claques. Deixávamos de ser mulheres para sermos leoas, defendendo ferozmente os “nossos”.

O chocolate quente no Natal, o bacalhau com natas, as favas, a massa encarnada, a tarte de amêndoa, o bolo delicioso, têm e vão ter para sempre o sabor dela.
Telefonava-me sempre que algo que eu fazia ou dizia a fazia ficar orgulhosa. Dizia que gostava da minha forma de dizer as coisas, gostava das piadas minhas que saiam na imprensa e dizia-me: ”Só a menina para se lembrar destas coisas!”. E era tão bom ouvi-la rir...

A carrinha verde dela também me vai ficar na memória para sempre. Fazia a recolha de todos os primos pelos colégios e lá íamos nós tipo sardinha em lata todos a falar ao mesmo tempo, mas nunca a ouvi dizer nada...e só quando precisava de ajuda para estacionar o carro é que nos pedia concentração, mas o meu “ALTO!” vinha sempre tarde e depois do primeiro toque... Acho que ficou a frase oficial das vindas do colégio: ”Pode, pode, pode...PUM!...ALTO!”.

Há 5 anos atrás a vida dela parou. Paralelamente ao meu desgosto vi a tristeza a apoderar-se dela. Foi quando o meu Pai se foi embora. Ela quis ir também.
Sempre que falávamos uma com a outra, falávamos do meu Pai e eu tentava com palavras atenuar o seu sofrimento, tentando que atenuassem o meu também. Tentava que a minha visão das coisas, aquilo que me ia permitindo viver os meus dias, a ajudasse a ela também, mas sentia que a acalmava mas só por breves momentos.

Quando estava comigo, com o meu irmão e com os nossos filhos ficava feliz por estarmos todos juntos, mas dizia sempre que sentia uma grande dor pelo meu Pai não estar a viver aqueles momentos connosco. E eu, que sinto essa dor todos os dias, minutos, segundos, controlava-me para não me ir abaixo à sua frente.

A Avó Belinha nunca mais foi a mesma. S.Martinho deixou de fazer sentido. Sentia que ela gostava de ir para lá, mas doía-lhe demais porque se lembrava muito do meu Pai.
E foi-se deixando ir. Tinha momentos melhores outros piores, mas desistiu. A vida sem o seu filho já não valia a pena. E doía muito ver a minha avó naquele sofrimento sem poder fazer nada.

As últimas conversas era sempre em jeito de despedida e eu não conseguia lidar com isso.

Pedia ao meu marido para me tratar sempre bem, mas dizia para eu o tratar bem também! Pedia-me para falar sempre dela às nossas princesas. Pedia-me para nos permanecermos unidos e que a família era a melhor coisa do mundo.

Que ela se ia embora, mas com a sensação de dever cumprido. Que viveu, foi feliz e criou uma família maravilhosa, com todos bonitos ainda por cima!

Que estava feliz com o meu casamento e com o do meu irmão. Que tínhamos encontrado pessoas extraordinárias. Que estava feliz por a Mónica e a Vera serem meninas lindas e pela Joana e pelo Zé Eduardo terem vindo completar ainda mais a família. Sentia que se tinha fechado um ciclo. A minha mãe e o meu Pai foram embora, mas ela ainda cá ficou para testemunhar o marido e a mulher fantásticos que arranjámos e nascimento dos filhos com os nomes deles, Joana e José Eduardo.

Agora podia ir em paz porque sabia que ficávamos bem. Agora podia e queria muito ir ter com o seu filho.

E foi. Precisamente 5 anos depois. Por alguma razão o meu Pai só a veio buscar agora. E por alguma razão veio no mesmo dia em que também ele nos deixou.

E que feliz que a Avó deve estar agora. Estão todos juntos lá em cima e nós prometemos que vamos ficar todos juntos e unidos cá em baixo.

Vamos continuar a dar valor aquilo que nos une. Vamos continuar a honrar a nossa família e a fazer mais filhos lindos.

Lá em cima a gritaria pelo Sporting deve ter sido tanta que marcámos 6 golos no primeiro jogo! Continuem a torcer ai em cima que nós vamos continuar a torcer cá em baixo!

Olhem por nós. Tomem conta de nós. Nós vamos continuar a lembrarmo-nos com a certeza que temos os melhores anjinhos de todos!

Vamos continuar agarrados às maravilhosas recordações que temos até nos encontrarmos novamente.
Até já Avó Belinha.

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