Junho de 1993. Era a época áurea do
Festróia por onde desfilavam os grandes de uma velha Hollywood que tinha os
seus dias contados. Olhos para trás e guardo momentos inesquecíveis. O bagaço
bebido com Robert Mitchum numa festa típica alentejana. O autarca de Grândola a
abraçar Kirk Douglas e a dizer-lhe que também ele foi uma “luz de liberdade no
longo túnel da noite fascista”! A boa disposição constante de Mickey Rooney ou
o glamour inesquecível de Jane Russell, que guardarei para outra crónica.
Neste
Junho de 1993 a estrela convidada foi Lauren Bacall que mal aterrou no
aeroporto espalhou o seu sarcasmo e o seu peculiar sentido de humor. Quando uma
jornalista lhe perguntou que significado tinha para si receber o Golfinho de
Ouro do festival, Bacall – nunca premiada com um Óscar, vencedora de dois
Tonys, de um National Book Award e acabada de ser homenageada em Hollywood com
o Cecil B. DeMille Award da Associação da Imprensa Estrangeira – respondeu sem
um segundo de hesitação: “Sempre foi o sonho de toda a minha vida”!
Quando
veio a Portugal, Bacall estava mais dedicada ao teatro e à televisão. Tinha
acabado de rodar o tele-filme “The Portrait”,de Arthur Penn, com o velho amigo
Gregory Peck. “Diverti-me imenso durante a rodagem e tive um papel maravilhoso”.
Assunto arrumado, logo no inicio da entrevista. Mas primeiro, o mais
importante. Para uma estrela como Lauren Bacall, uma conversa para televisão é
um momento de trabalho em que nada pode ser deixado ao acaso. Esta entrevista
para a SIC não escapou à regra. A iluminação, o som, e sobretudo o plano da
câmara, foram controlados pela sua assistente. Como se Lauren Bacall alguma vez
pudesse estar mal num plano de uma câmara.
"Tudo
o que sabia de cinema era o Leslie Howard e a Bette Davis". Assim
começa a actriz a sua autobiografia “By Myself”. E foi para a Hollywood dos
anos 30 e 40 que a conversa rapidamente seguiu: “Ah! Sim! A Bette Davis...eu
queria ser a Bette Davis...Adorava-a. Representava todos os papeis dela, andava
como ela, imitava-a sempre...E o Leslie Howard...tinha uma enorme paixão por
ele. Era um actor maravilhoso...mas nunca o cheguei a conhecer. Ele foi um
grande amigo do Bogey...Morreu na Segunda Guerra, num desastre de avião...”.
E sabia
Lauren que Howard morreu quando o avião em que viajava de Lisboa para Londres
foi abatido? “Era Lisboa ? Que estranho...que horror...bom, eu não vou de Lisboa
para Londres, mas vim de Londres para Lisboa...(gargalhada)”. Está
safa, pensei eu e pensou ela, com mais gargalhadas.
Nessa
edição do Festival de Cinema de Tróia, Lauren Bacal foi homenageada com a
exibição do filme “À Beira do Abismo” e apesar de a actriz insistir várias
vezes na frase “Tive uma vida para além de Bogart”, a pergunta sobre as
memórias que guardava dessa rodagem era inevitável: “Lembro-me que o Raymond Chandler
apareceu no estúdio. Ele escreveu o livro. Como sabe o filme é maravilhoso, é
um grande filme...mas ninguém percebe muito bem a história... (risos) Acontece
tanta coisa, há tantos personagens, que é um bocado difícil de entender aquilo
tudo...e lembro-me que perguntámos ao Chandler qualquer coisa sobre um
personagem...e ele também não sabia o que responder...(risos) Foi divertido. O
William Faulkner trabalhou no guião. Um dia ele apareceu lá com uma cena nova
que tinha escrito e foi mostrá-la ao Hawks. Depois o Hawks, com um ar estranho,
mostrou-a ao Bogey e a mim, porque eram duas páginas de um monólogo de uma
personagem.... E então com aquela escrita densa como ele tinha. Pura e
simplesmente não se podia escrever assim para cinema. Está a ver a chatice que
era um só personagem a falar meia hora num ecrã”
Howard
Hawks, Raymond Chandler, William Faulkner, ,nomes imortais que povoam a
filmografia e a vida de Lauren Bacall. Como John Huston, Vincente Minnelli,
Douglas Sirk ou Michael Curtiz. Mas o seu nome jamais será dissociado de um
outro ainda maior: Himphrey Bogart. Um nome que nos anos 90, como hoje,
continua a provocar reacções diferentes à actriz: “Toda a gente me fala dele. Mas
não só dele. Porque eu tive uma vida sem ele. É muito tempo., ele morreu nos
anos 50! Mas hoje continua muito vivo por causa do seu trabalho. Claro que foi
uma grande parte da minha vida, uma parte maravilhosa e foi, das minhas vidas
privadas, a melhor que tive. Portanto é natural que ele faça sempre parte de
mim. Mas não penso sobre isso. Eu tive outra relações que foram boas, algumas
excelentes…Tive muitas outras experiências. Enfim, a minha vida sentimental não
é só o Bogey. Você faz perguntas sobre ele - os jornalistas todos fazem
perguntas sobre ele - porque é ainda uma grande estrela e eu estou associada a
ele. Como deveria estar. Mas não se esqueça que eu tenho outra parte da minha
vida e da minha carreira que não tem nada a ver com isso.”
E
teve Jason Robards, e teve filhos de ambos e teve uma carreira depois desta
entrevista, onde foi dirigida por pessoas tão diferentes como Robert Altman,
Lars Von Trier ou Natalie Portman. Com o seu papel em “As Duas Faces do
Espelho” de Barbra Streisand foi nomeada finalmente para um Óscar, que perdeu
para Juliette Binoche. Mas em 2009 recebeu a estatueta que mais desejou toda a
sua vida. Um Óscar honorário que está escondido no seu apartamento do Dakota
Building de Nova Iorque. Tanto tempo à espera e agora, quem a visitar, não
encontrará o Oscar em sua casa. Bacall ensaiou o discurso décadas a fio, mas a
sua noite de glória foi também uma noite que quer esquecer: “Tantos
anos à espera e quando subi ao palco só falei do Bogey. Esqueci-me do Jason.
Não falei dos meus filhos. Só o Bogey! E isso foi terrível”, confessou a
uma jornalista da Vanity Fair.
A
caminho dos 89 anos, que celebrará a 16 de Setembro, Lauren Bacall mantém hoje
os mesmos sonhos que me contou nesse mês de Junho de 1993. O sonho de trabalhar
com Martin Scorsese, “um realizador fantástico, o melhor dos
americanos…E há estrangeiros tão bons, o Stephen Frears, por exemplo”. E
com a sua vitalidade, poucos duvidam que a sua carreira de 69 anos ainda não
tenha chegado ao fim.
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Excelente! ;)
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